quinta-feira, 6 de agosto de 2009

da série "Ótimos Trechos" - BAUMAN


Um número sempre crescente de homens e mulheres pós-modernos deleitam-se na busca de novas e ainda não apreciadas experiências; a qualquer fixação de compromisso, preferem ter opções abertas; um eterno vestir e despir de identidades. São ajudados e favorecidos por um mercado inteiramente organizado em torno da procura do consumidor e vigorosamente interessado em manter essa procura permanentemente insatisfeita, prevenindo, assim, a ossificação de quaisquer hábitos adquiridos, e excitando o apetite dos consumidores para sensações cada vez mais intensas e sempre novas experiências.

vivem num estado de permanente pressão para se despojar de toda interferência coletiva no destino individual, para desregulamentar e privatizar.

exigem um desmantelamento das coações politicamente impostas, o corte dos tributos e despesas públicas em nome da privatização do uso dos recursos e assim uma maior liberdade do consumidor.

observamos a crescente indiferença do estado para com sua antiga tarefa de promover um modelo de ordem tanto singular como abrangente.

Segundo cálculos cautelosos e, se faz diferença, conservadores, a rica Europa conta entre seus cidadãos cerca de três milhões de desabrigados, vinte milhões de expulsos do mercado de trabalho, vinte milhões que vivem abaixo da linha da pobreza; consumidores falhos; pessoas incapazes de responder aos atrativos do mercado consumidor, incapazes de ser "indivíduos livres" conforme o senso de "liberdade" definido em função do poder de escolha do consumidor. São a “sujeira” da pureza pós-moderna.

como são um sorvedouro dos fundos públicos e por isso, indiretamente, do “dinheiro dos contribuintes”, eles precisam ser detidos e mantidos em xeque ao menor custo possível. Se é mais barato excluir e encerrar os consumidores falhos para evitar-lhes o mal, isso é preferível ao restabelecimento do seu status de consumidores através de uma previdente política de emprego conjugada com provisões ramificadas de previdência. Que vença a oferta mais barata!

o "Segundo Mundo" não existe mais: suas antigas nações membros desperataram para o "túnel no fim da luz". Assim como o terceiro mundo. Hoje, uns vinte países ricos, mas aflitos e incertos de si próprios, enfrentam o resto do mundo, que ja não se inclina a venerar as suas definições de progresso e felicidade, mas cresce a cada dia mais dependente deles, para preservar qualquer felicidade ou meramente a sobrevivência que possa conseguir, penosamente, com seus próprios meios. Talvez o conceito de "barbarização secundária" englobe melhor o impacto global do metropolitanato dos nossos dias sobre a periferia do mundo.

O desvio do projeto da comunidade como defensora do direito universal à vida decente e dignificada para o da promoção do mercado como garantia suficiente da universal oportunidade de auto-enriquecimento aprofunda mais o sofrimento dos novos pobres, a seu mal acrescentando o insulto, interpretando a pobreza com humilhação e com a negação da liberdade do consumidor, agora identificada com a humanidade.
o consumidor, não mais a humanidade.


Trechos do livro “O Mal Estar da Pós-Modernidade” de Zygmunt Bauman (1997)

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