sábado, 12 de dezembro de 2009

“Gibi” é cultura?


Em recente artigo intitulado "Mulher pelada é cultura", publicado no Site do Jornal Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/), o jornalista Gilberto Dimenstein argumentou que gibi (Histórias em Quadrinhos) e revista de mulher pelada (ele cita a Playboy) não seriam cultura.
        Dimenstein em seu texto pretende atacar o programa de incentivo a cultura do governo federal, o vale-cultura, um projeto que busca expandir as possibilidades de acesso a cultura da população brasileira, tão carente de bens culturais. Não vou entrar aqui na questão valorativa ou política do programa em si, não é meu objetivo, mas vamos discutir o conceito de cultura utilizado por Dimenstein e o porquê ele não considera Histórias em Quadrinhos como "cultura".
          Primeiramente é bom lembrar que academicamente os antropólogos não utilizam mais a palavra cultura, assim no singular, mas culturas, no plural, dando ênfase a diversidade de culturas humanas. Dimenstein ainda parece ver o mundo a partir de uma perspectiva anterior aos escritos sobre multiculturalismo, que já estão ai à pelo menos meio século, fica a pergunta: será que Gilberto Dimenstein leu algo publicado nos últimos cinquenta anos? Parece que não!
          Até porque ao se referir a revistas de história em quadrinhos ele usa o nome de Gibi, que era em si uma publicação da década de 40, que teve seu primeiro número lançado em 1939. Somente pela forma como Dimenstein nomeia estas publicações (gibi ao invés de revista de histórias em quadrinhos) temos uma ideia da mentalidade com que observa o mundo, ou seja, sua visão de mundo esta ligada à época em que nosso presidente (ou melhor ditador) era Getúlio Vargas.
     Neste caso é pouco provável que este jornalista, que posa de sabe tudo, e parece não saber nada, mas utiliza sua inserção em um dos maiores jornais do país para escrever sobre quase tudo, e entre outras coisas sobre educação, desconfio inclusive que grande parte de seu publico seja de professores, que vão aos seus escritos buscar alguma orientação a fim de consolidar sua própria visão de mundo, mas o que  encontram não é muito diferente do pensamento das normalistas dos anos sessenta.
         Aquele tipo de professora que fazia alunos decorarem textos do tipo "Ivo viu a uva" sem significado algum, ao mesmo tempo em que atacavam os chamados "gibis", que já na década de sessenta traziam textos muito mais interessantes do que aquelas velhas cartilhas empoeiradas que Dimestein insiste em não abandonar.
        Também salientamos que as histórias em quadrinhos como afirma, em diversos textos o pesquisador Prof. Dr. Gazy Andraus, trás informações imagéticas "que deflagra e ativa certas áreas do hemisfério direito do cérebro, enquanto que os fonemas e o cartesiano deflagram-se e ativam o esquerdo. Assim, usar quadrinhos (arte em geral) no ensino, auxilia numa inteligência sistêmica e não pende quase que exclusivamente ao racional e cartesiano, o que atrofia a inteligência criativa", sendo assim seu uso na educação traria um maior "equilíbrio mental salutar na cabeça do aluno, não importando que idade...já que a mente é neuroplástica" (Gazy Andraus, Carta  em contra-resposta ao texto de Gilberto Dimenstein questionando que gibi seja cultura, lista AGAQUE-L: agaque-l@listas.usp.br).
         Resumindo a ópera: não levem a sério as palavras de Gilberto Dimenstein, ele não sabe o que fala, e não é necessário acreditar neste colunista, basta ler obras como: Watchmen ou Promethea de Alan Moore, absolutamente qualquer obra de Will Eisner, as tiras de Charlie Brown, Calvin e Haroldo, Mafalda, entre outras, inclusive algumas publicadas no Jornal Folha de São Paulo, que abre espaço para esta "incultura", e é também a publicação de onde também fala Dimenstein.
        Também podemos citar Maus de Art Spiegelman que ganhou o prêmio Pulitzer, as obras de Osamu Tezuka, tema dos últimos quatro textos publicados neste espaço por nós, até HQs populares, como Tex, que acaba de ter publicado nas bancas um fantástico álbum intitulado Patagônia, e por ai vai. Lembramos também de Ziraldo e do conhecido Mauricio de Souza e sua Turma da Mônica, para ficar com a mais popular história em quadrinhos brasileira, sempre tratando de temas envolventes. Lógico que tamanha é a profundidade temática e imagética das histórias em quadrinhos que poderia fazer uma lista de umas duas centenas de obras aqui, e ainda assim seria pequena e parcial, mas isso pouco adianta para Gilberto Dimenstein, que sequer tem a preocupação de ler as HQs publicados no próprio jornal em que escreve. 
         Por isso leitor vá às obras, e sempre desconfie quando alguém achar que pode servir de policia cultural, isso nunca é bom, e sempre esta a serviço de algum programa político, mesmo quando o autor não explicita qual.
        Afinal não sei se "gibi" é "cultura", mas que as histórias em quadrinhos fazem parte da grande diversidade das culturas humanas, isso faz.
Edgar Indalecio Smaniotto
Filósofo, mestre e doutorando em Ciências Sociais pelo programa de
pós-graduação em Ciências Sociais da UNESP – Faculdade de Filosofia e
Ciências de Marília.
Artigo publicado no Jornal Graphiq, Dezembro de 2009, página 3.

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