quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Atenção, moradores de Brasília: o espaço público é público!

Não é piada, não. O título acima é um lembrete sério, apesar de óbvio, para uma parte dos moradores de Brasília que enxerga o espaço público como bem particular. Ou melhor, como um espaço destinado ao público sim, mas a um público restrito e, de preferência, com o mesmo gosto musical e os mesmos hábitos que eles.

Se você prestar atenção, vai ver em volta um movimento crescente de intolerância entre vizinhos. São os moradores que proíbem o uso de parquinhos por crianças de outros prédios, são os que não acham graça da alegria alheia no carnaval, os que querem acabar com as quadras de esportes para evitar barulho de jogo à noite. Afinal, moramos em uma fazenda, em um retiro espiritual de silêncio, né. Barulho é coisa de cidade, e isso a gente não aprendeu ainda o que é.

A mais recente discussão sobre o uso do espaço público saiu do Lago Norte. Mais especificamente da Associação dos Proprietários e Moradores da Orla do Lago Norte, um grupo que reúne mais de 2 mil pessoas, segundo seu presidente, Benedito Antônio de Sousa. Vamos à pauta de reivindicações da associação, que está em plena campanha e se reuniu com representantes de vários órgãos do GDF na semana passada:


- Proibição de eventos no Calçadão da Asa Norte;
- Cercamento do Calçadão e disciplinamento do seu uso, nos moldes do Parque Olhos d’Água;
- Exigência de “confinamento do som” a ambiente com tratamento acústico no Setor de Clubes Norte, UnB e adjacências, limitando os níveis de som ao estipulado na Lei Distrital 4.092/2008 (Lei do Silêncio);
- Instalação de posto policial no Calçadão da Asa Norte.

 
Médico de 56 anos, Benedito de Sousa critica eventos como o Deguste e o Picnik – “Eles instalam palco musical para Rock in Rio ficar com inveja” – e afirma que está havendo uma confusão sobre o verdadeiro fim do Calçadão, inaugurado em 2011. “Nós não queremos proibir, mas o local não foi feito para eventos. É um local de contemplação da natureza”, diz ele, que já foi à delegacia quatro vezes registrar queixa contra festas no Calçadão e no Setor de Clubes Norte – setor cuja finalidade é justamente a diversão.

Benedito explica seu ponto de vista: “A ideia de Lúcio Costa da liberdade, do trânsito livre, do ambiente bucólico, como dizem os urbanistas, é maravilhosa. Só que isso foi há 50 anos. Hoje, os casos como Ana Lídia são quase diários. Tivemos mais de 600 assassinatos no DF ano passado. Nós vivemos um outro tempo.” A segurança pública entra aqui como argumento, mas é bom lembrar que os eventos no Calçadão nunca registraram qualquer incidente violento.

Eu entendo a irritação do Benedito e dos seus 2 mil associados. Até porque ando me sentindo velha – faz um tempo que a vida noturna me dá mais preguiça do que propaganda política. Ter o sono perturbado por barulho alto não é maravilhoso, claro que não é. Agora, espera aí. Solucionar possíveis excessos com a proibição, com o cercamento da área pública?

Não me canso de dizer que a orla do Lago é um dos espaços mais lindos de Brasília e um dos mais subutilizados. O governo nunca se preocupou, de fato, em abrir acesso a essa área para os 99,9% da população que não têm dinheiro para comprar uma casa milionária à beira do Paranoá. Pelo contrário: o que se vê são tentativas de lotear a orla para mais condomínios residenciais disfarçados de hotéis. Para um cartão-postal com o tamanho do Lago, o número de opções de lazer gratuito chega a ser deprimente. Transporte público então, nem pensar.

Quando, em uma rara iniciativa, o governo concede infraestrutura mínima de diversão pública na orla, os moradores incomodados com o barulho acreditam que a solução não é mitigar os problemas, não é negociar formas de reduzir os excessos, se eles existirem: é proibir, fechar, cercar. Acho que precisamos aprender, do zero, a viver em comunidade. Para isso, é preciso, de um lado, reconhecer e corrigir os problemas. Do outro, acordar do sonho em que vivemos naquela fazenda, naquele retiro espiritual, e perceber que, sim, moramos numa cidade. E que ela não é só sua.

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via Dani Cronemberger

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